quinta-feira, 19 de março de 2009

Não tenho tempo para ler

Vem isto a propósito de um trabalho do Diário de Viseu no qual alguns leitores se queixavam da falta de tempo para porem a leitura em dia. É falso! Todos temos tempo para ler. O que importa é recusar “regras” e “princípios” que se encontrarão escondidos no nosso subconsciente e que dificultam o exercício de leitura. Por exemplo: “Ler é uma coisa solene”, “Ler é para intelectuais” ou “Ler é na biblioteca e em lugares mais ou menos snobs”.
Ler é apenas um acto banal da inteligência humana. Por isso, qualquer hora é boa para a leitura e qualquer lugar é apropriado. Podemos ler no autocarro, no banco do jardim, na casa de banho, na esplanada do bar enquanto bebemos uma cerveja, nos minutos de espera pela hora de almoço, na cama, ao deitar, etc.
Ler não é reservar uma hora por dia ou uma tarde por semana. Ler é apenas agarrar num livro, usá-lo durante 5 minutos ou uma hora. O livro não nos impõe qualquer restrição, nós é que escolhemos: o momento, o local, a circunstância.
É verdade que Fernando Pessoa nos diz “ai que prazer ... ter um livro para ler e não o fazer” e acrescenta mesmo que Jesus Cristo “nem consta que tivesse biblioteca”! Bom, admitindo que isto é verdade, certamente que alguma coisa deveremos ter evoluído nos últimos dois mil anos! Alem disso, sentimos ou não prazer na leitura do poema de Fernando Pessoa?
LIBERDADE
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde professor Alfredo.

Estou inteiramente de acordo consigo no que trata às nossas leituras diárias. Qualquer um de nós pode dispensar todos os dias um pouco de tempo para ler. Falo por mim, pois não há um único dia que não leia algo, quer sejam cinco páginas do livro que tenho na mesa de cabeceira, um artigo no jornal desportivo, ou até mesmo o artigo de um blog...a verdade é que nem sempre somos selectivos naquilo que lemos. Se perdemos meia hora a ler as noticias cor de rosa da revista quinzenal, porque não aplicar essa meia hora em algo mais instrutivo e que de alguma forma vá contribuir para os nossos conhecimentos?

Todos nós temos tempo para ler e uma variedade de assuntos interessantíssimos ao nosso dispor!

O poema é muito interessante e ao mesmo tempo divertido! Penso que está carregado de um sentido metafórico e irónico que se resume na liberdade humana!

Recordo-me que um dos meus professores da Faculdade de Letras de Lisboa me disse, aquando a análise do poema, que no manuscrito original deste poema Fernando Pessoa escreveu debaixo do título "(Falta uma citação de Séneca)"

Se pensarmos no estoicismo defendido por Séneca percebemos então que no poema Fernando Pessoa pensa precisamente o contrário do que escreve, ou seja só através do cumprimento do dever é que o homem atinge a liberdade.

Obrigada por partilhar connosco artigos tão interessantes!

Cumprimentos

Cheila de Jesus Adelino

Alfredo Simões disse...

Olá Cheila
Obrigado pelo comentário.Estou completamente de acordo com a interpretação que faz do poema. De qq modo, acho que o poema vale pelo prazer que se tira da sua leitura.