terça-feira, 25 de maio de 2010

O défice do Estado e o défice das famílias portuguesas

Queria aproveitar este apontamento para falar um pouco sobre o défice. Porventura, neste momento já estarão a pensar: “mais um a falar na história do défice”! Pois bem, não pretendo falar tanto do défice do Estado português, nem da bondade ou da eventual ineficácia das medidas recentemente tomadas, mas mais do défice das famílias portuguesas. De facto, as semelhanças são muitas…

Todos sabemos que a questão do défice das nossas contas públicas, é algo que nos deve preocupar a todos. Contudo, parece-me que existe um défice que as pessoas em geral ainda não atribuíram a devida atenção: o défice das famílias. A situação deste défice não é muito diferente da situação do défice do Estado. De facto, tem-se registado ao longo dos anos um défice estrutural no orçamento das famílias e, porventura, a situação não tende a melhorar no curto prazo.

As medidas para combater o défice das famílias são em tudo idênticas às medidas para combater o défice das nossas contas públicas: ou aumentamos as nossas receitas, ou diminuímos as nossas despesas, ou, preferencialmente, fazemos simultaneamente uma coisa e outra.

Em relação ao aumento das receitas das famílias, talvez o mecanismo seja um pouco mais complicado do que o aumento das receitas do Estado. De facto, ao contrário do Estado, não podemos pura e simplesmente cobrar mais impostos de modo a consegui-lo. Além disso, poderíamos eventualmente trabalhar horas extraordinárias, pedir um aumento de salário ao nosso patrão… Todavia, na conjuntura actual, fazer isso será muito difícil.

Deste modo, talvez possamos corrigir o nosso défice agindo sobretudo ao nível das despesas. Quando falo em cortar nas despesas do nosso agregado familiar, não falo apenas nas despesas correntes, por exemplo: se temos o hábito de fumar, porventura esta seja uma boa altura para reduzirmos ou, até mesmo, deixarmos de fumar (faz bem à saúde e à “carteira”), evitarmos gastar tanto dinheiro em bens supérfluos (ou, pelo menos, que não sejam de primeira necessidade, como sejam carteiras, acessórios de moda, decoração para a casa, etc.). Quando falo em cortar nas despesas estou a referir-me a algo de mais duradouro, de certa forma, estrutural. Por exemplo: será que a casa que nós adquirimos através de crédito à habitação foi a mais indicada para nós?! Por vezes, mesmo as famílias mais pequenas, optam por comprar habitações de grandes dimensões, situação que se faz repercutir depois durante todos os meses da nossa vida quando pagamos a prestação do crédito (ou pelo menos enquanto durar o crédito à habitação). Será que precisamos efectivamente de comprar o novo modelo de automóvel que acabou recentemente de ser lançado, quando comprámos carro há dois ou três anos atrás?! Com certeza que o carro novo não será mais barato e, novamente, lá está a prestação do crédito automóvel a aumentar. No fundo, o que eu quero dizer é que se é importante reduzir as nossas despesas correntes, do dia-a-dia, tão ou mais importante é reduzir as despesas que sabemos que nos vão afectar a médio/longo prazo.

Ora se tivermos a ambição de viver acima das nossas possibilidades, se não tivermos a mentalidade adequada, corremos o risco de comprometer de forma estrutural o défice do nosso orçamento familiar. É importante pensar bem antes de tomarmos certas decisões de consumo, recolher informação, fazer contas, comparar propostas de entre a concorrência,... É importante poupar, e quanto mais tarde o começarmos a fazer, maior terá de ser o esforço quando estivermos perto da reforma. Para fazer tudo isto de forma adequada existe algo que é fundamental: a literacia financeira. Se nós não soubermos o que significam os conceitos e termos que constam da maior parte dos créditos que contraímos e das aplicações que fazemos, se não soubermos minimamente fazer contas, muito dificilmente conseguiremos apurar convenientemente o nosso défice e corrigi-lo.

Naturalmente que aquilo que eu disse anteriormente não se aplica a todas as famílias portuguesas. Contudo, se existirem famílias que não tenham este tipo de mentalidade, muito sinceramente afirmo que não têm moral e credibilidade para criticar o próprio défice das contas do Estado. Afinal, ambas as situações não serão idênticas?! E, já agora não resisto: talvez os governantes e os políticos necessitem também um pouco de mais literacia financeira…

2 comentários:

Carlos Pereira disse...

Ganhar dinheiro até um burro ganha, gastar o burro também o faz, saber gastar é só para alguns.
Falta formação económico-financeira na sociedade portuguesa. Ensinar música e inglês às crianças no 1º ciclo do ensino Básico é importante, mas não seria também importante alguma formação económica, por mais básica que fosse seria sempre uma base para o futuro.

Carlos Pereira

Aguiar disse...

eu acho que grande parte do problema esta na mentalidade de grande parte dos portugueses. É típico dos portugueses "cultivar" as aparências. se o meu vizinho tem um BMW porque não eu também ter um?...então, vamos embora ao banco pedir um empréstimo para comprar o carro.