terça-feira, 18 de maio de 2010

A Ditadura do Curto Prazo (II)

Após ter escrito a primeira reflexão sobre a ditadura do curto prazo (ler “A Ditadura do Curto Prazo (I)”) ouvi a entrevista dada pepo presidente da Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos – aliás uma entrevista notável ao programa Negócios da Semana em 11/03/2010 - em que ele referia a “ditadura do trimestre”, designando assim a necessidade dos C.E.O. (chief executive officer) apresentarem resultados baseados em objectivos de curto prazo e deles depender a seu sucesso empresarial e de quanto isso é pernicioso para as organizações.
Este condicionamento temporal na definição de objectivos desvirtua aquilo que deveria ser o objectivo maior que é o do crescimento sustentável de uma empresa. Poder-se-ia pensar que os objectivos do C.E.O. ou dos diferentes colaboradores com influência na tomada de decisões, confluiriam com os objectivos de sustentabilidade das empresas. Puro engano! O que a crise internacional veio revelar, foi precisamente o conflito de interesses que existe entre a propriedade e a gestão dessa propriedade quando não exercida pelos seus proprietários. E, para além disso, veio revelar o lado mais escabroso desses conflitos – é que o desejo dos C.E.O. de obterem a recompensa pelo sucesso nos objectivos atingidos, fez com que se usassem os mais diversos artifícios para os atingir. Os artifícios utilizados foram e são diversos: dispersão de capitais em fundos “carrossel”; investimentos em bens cujo valor era essencialmente especulativo; investimentos avultados em imóveis (provocando uma espiral especulativa nos valores desses bens); criatividade na apresentação dos relatórios financeiros das empresas; nos paraísos fiscais , mistura de capitais de origem limpa (por vezes aplicações do dinheiro para as reformas dos contribuintes) com capitais de origem nos mercados de tráficos diversos.
Sinceramente não acredito que, enquanto os interesses de curto prazo forem sobrevalorizados e avaliados, este estado de coisas se altere. Os governos tenderão a sobreinvestir em ano de eleições, os governantes não farão reformas estruturais, os C.E.O. privilegiarão investimentos de menor período de retorno, os professores procurarão passar os alunos para cumprir as taxas de sucesso do ano escolar, pela qual serão eles próprios avaliados, as amizades far-se-ão enquanto existir o interesse momentâneo de daí resultar um benefício comum. Tenderão a ser relegados para segundo plano, os princípios, a ética, a moral, as ideologias, a poupança, a família. Assim sendo, as “bolhas” especulativas ou imobiliárias, continuarão a rebentar, os paraísos fiscais continuarão a existir, os sucessivos governos não procurarão fazer os devidos investimentos e reformas públicas, as diferentes avaliações servirão apenas para satisfazer estatísticas.
Como referia Alexandre Soares dos Santos, a propósito dos investimentos na Polónia – “…estivemos oito anos para obter o retorno do investimento realizado na Polónia e estamos agora a receber o justo prémio desse esforço!”. Tenho pena que existam tão poucos empresários assim. Empresários que pensem em atingir objectivos de longo prazo.
O curto prazo pode criar a ilusão de tivemos êxito. O êxito, no entanto, deve medir-se pelo esforço em o alcançar!

1 comentário:

Carlos Pereira disse...

Sem dúvida, hoje vive-se muito o curto prazo, as pessoas mesmo no seu dia-a-dia vivem o momento, não se fazem grandes projectos para o médio/longo prazo. Já houve tempo em que se faziam projectos de vida, depois os projectos passaram a ser sonhos, hoje são miragens. Ao meio do mês, já se anda a contar os trocos, antes havia poupanças, faziam-se projectos e investimentos. Os gestores também não fogem à regra, o que lhes interessa é o objectivo do curto prazo, quem os controla parece não ter interesse em divulgar as ilegalidades, ou então não as detectam. Recordo, da história recente, gestores que por fracasso cometiam o suicídio, a vergonha de um fracasso impunha-se a qualquer valor. Após o suicídio, as famílias mudavam de cidade, a própria sociedade os rejeitava. Hoje leva-se uma empresa ao fracasso e vemo-los na tv, nos Jornais em tudo que dá imagem, são nomeados para as grandes empresas públicas ou de participações do estado. Não quero que se volte ao suicídio por causa de um fracasso, quero que haja competência, responsabilidade, que as pessoas ocupem os cargos pela competência e pelo rigor, … talvez seja uma utopia.

Carlos Pereira