quarta-feira, 28 de outubro de 2015

"Os licenciados são cada vez piores!"

Este artigo, que é o último que assino no âmbito deste Projeto nascido há mais de seis anos (Clareza no Pensamento), foi espoletado por uma conversa que tive há dias com um amigo, empresário. Resumidamente, ele dizia que os jovens licenciados que recebe na sua empresa são “cada vez piores” (foi a expressão utilizada). “Não sei o que andam a fazer nas universidades, eles e vós” (ou seja, os alunos e os professores). As queixas do meu amigo assentavam, sobretudo, nos cada vez mais fracos conhecimentos técnicos revelados pelos licenciados. Não pude deixar de lhe manifestar a minha opinião.

Perguntei-lhe se achava possível, na sua empresa, manter a quantidade e, sobretudo, a qualidade do produto acabado se se visse obrigado a cumprir, cumulativamente e num curto espaço de tempo, as seguintes alterações (neste artigo, por razões de espaço, só vou referir duas, mas na conversa referi mais):

- Redução das horas de trabalho diárias (entenda-se: produção) para dois terços;

- Imposição legal, aos trabalhadores da produção, de cada vez mais tarefas burocráticas inúteis que os obrigassem a dedicar cada vez mais tempo do seu horário laboral à execução dessas tarefas não produtivas, com a agravante da dispersão mental que isso lhes acarretaria e consequente desfocagem do essencial das suas tarefas.

“Nem pensar!”, respondeu. “Certamente que tanto a quantidade como a qualidade do produto acabado diminuiriam”. 

“Pois bem, foi isso que aconteceu no ensino superior nos últimos anos”.
 
“Como assim?!” .
 
“Certamente não sabes, como não sabe a maioria das pessoas, mas o que se passa é isto:

- Uma licenciatura de hoje tem cerca de dois terços das horas de aula que tinha um bacharelato há alguns anos. Sim, um bacharelato. Já nem comparo com as licenciaturas “antigas”, de cinco anos. Tanto o bacharelato como a atual licenciatura tinham a duração de três anos. Porém, o plano de estudos de um curso de bacharelato tinha cerca de 2700 horas de aulas; o de uma licenciatura afim tem hoje, frequentemente, entre 1800 e 1900. Imagina que na tua empresa tinhas de passar de oito para pouco mais de cinco horas de produção por dia. Todos os dias. Se quisesses (ou fosses pressionado para) produzir a mesma quantidade de produto acabado, provavelmente terias de omitir algumas fases do processo produtivo, aligeirar outras, se calhar ser menos exigente no controlo da qualidade… enfim, terias quase certamente um produto final com menor qualidade;

- A isto acresce que a carga de trabalho puramente administrativo (burocrático) que hoje é imposta aos professores é de tal ordem que a sua disponibilidade material (tempo!) e mental para aquilo que deveria ser o essencial do exercício da sua profissão (preparação das aulas, materiais e estratégias, acompanhamento dos alunos, etc.) fica fortemente condicionado. Imagina o que seria se os teus funcionários da produção tivessem, obrigatoriamente, de preencher uma quantidade cada vez maior de papelada, assistir a cada vez mais reuniões e coisas afins que, de facto, não beneficiam em nada (pelo contrário) nem a quantidade nem a real qualidade do produto acabado.

Por isso, tenho muita dificuldade em concordar contigo.”

De facto, não concordo nada com quem acha que os alunos são maus, irresponsáveis, imaturos, enfim “cada vez piores”, e que a culpa é deles. Não acho que eles sejam culpados, mas sim vítimas. Vítimas de um conjunto de medidas que não criaram e, sobretudo, não controlam (nem eles, nem os professores, em rigor). Bem vistas as coisas, talvez os licenciados não sejam assim tão maus, dadas todas as condicionantes inerentes à atual “licenciatura” (e a todo o percurso académico que lhe está a montante). Muitos são até muito bons! E o mérito é sobretudo deles. De cada um deles. Com estas condicionantes (e outras, aqui não referidas), o êxito académico e profissional de um aluno e diplomado é cada vez mais mérito do próprio do que da instituição que frequentou ou dos professores que teve. Uma e outros têm cada vez menos tempo útil (e outros recursos) para isso.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A aposta no desenvolvimento sustentável


Infelizmente pelas piores razões, a questão do desenvolvimento sustentável encontra-se cada vez mais "na ordem do dia". Vejamos então o que é isso do desenvolvimento sustentável e os desafios que se colocam às empresas neste contexto.

O que é o desenvolvimento sustentável?

De acordo com o Relatório Brundtland, publicado em 1987 no âmbito da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (Organização das Nações Unidas), o desenvolvimento sustentável é o “desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”.

A tripla abordagem da sustentabilidade

O desenvolvimento sustentável não tem apenas a ver com o aquecimento global, com as alterações climáticas ou com o meio ambiente em geral. Normalmente, quando falamos em desenvolvimento sustentável estamos a referir-nos à clássica tripla abordagem de domínios (de John Elkington): Económico, Ambiental e Social. Esta tripla abordagem é muitas vezes utilizada pelas empresas como uma estratégia coordenada para atingir os seus objetivos com resultados positivos em termos dos três P’s: Proveitos, Planeta e Pessoas. O modelo da tripla abordagem de domínios, além de reconhecer a importância para as empresas oferecerem um valor económico sustentável para os seus acionistas, considera também que para uma empresa ser sustentável ela necessita de considerar na sua performance a vertente ambiental e a vertente social.

Os benefícios da sustentabilidade para as empresas

Ao adotarem uma abordagem sustentável, as empresas poderão obter diversos benefícios: redução de energia, desperdícios e custos; diferenciação da própria empresa (relativamente às empresas “pouco verdes”); oportunidade para a criação de novos produtos e processos inovadores; possibilidade de atingirem novos mercados; atração e retenção dos melhores colaboradores; melhoria da imagem da empresa perante os acionistas e o público em geral; possibilidade de fornecer uma maior qualidade de vida, etc..

Os riscos ao adotar-se uma abordagem sustentável

Ao adotarem uma abordagem sustentável, as empresas poderão também incorrer em certos riscos, nomeadamente: a prática do denominado “greenwashing” (preocupação excessiva em publicitar algumas práticas sustentáveis que apenas executa esporadicamente, sem que adote uma verdadeira abordagem sustentável); a possibilidade de, ao desenvolver novos produtos “verdes”, poder prejudicar as vendas de produtos já existentes e a possibilidade da criação de expectativas irrealistas em relação aos esforços da empresa perante a sustentabilidade (que acabam por sair frustradas).
Contudo, apesar de existirem riscos ao adotar-se uma abordagem sustentável, os riscos de não se adotar uma abordagem sustentável são muito mais difíceis de gerir.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Taxas Euribor negativas: o que vai acontecer às prestações do meu crédito habitação?

As taxas Euribor servem de indexante a muitas operações financeiras do nosso quotidiano. É o caso dos empréstimos para compra de casa. O juro que pagamos depende de dois fatores: o indexante e o spread, uma vez que a taxa de juro a aplicar para o cálculo do valor das prestações resulta da soma indexante+spread.

O spread é normalmente considerado como a “margem” do banco na operação e é negociado entre as partes. Variando entre bancos e entre clientes, ronda atualmente (para novos contratos) os 3%. Há alguns anos conseguiam-se spreads muito baixos, à volta dos 0,3%.

Quanto ao indexante, todas as taxas Euribor têm vindo a registar valores historicamente baixos, mas nos últimos dias aconteceu algo inesperado: passaram a negativas (por enquanto, apenas para alguns prazos). Isto levanta questões interessantes nomeadamente no que diz respeito à taxa de juro a aplicar num contrato em que a soma do indexante com o spread resulta num valor negativo. Por exemplo, o que acontece a um contrato indexado à Euribor a 3 meses com um spread de 0,3% no caso de aquele indexante vir a registar o valor de -0,35%?

A primeira resposta é que a taxa de juro a aplicar deve ser a que resultar da soma do indexante com o spread, ou seja, -0,05%. Afinal de contas, é assim que se determina a taxa de juro numa situação normal, em que ambos (indexante e spread) são positivos. No fundo, deste modo, o cliente não só não paga juros, como o banco ainda amortiza uma parte da dívida. Este é, certamente, o cenário que mais agrada ao devedor.

Uma segunda hipótese consiste em assumir que a taxa de juro não pode ser negativa e, num cenário como o descrito, a taxa a aplicar deve ser 0%, ou seja, o montante que o cliente paga em cada prestação destina-se, na sua totalidade, a amortizar a dívida. Esta é, ao que parece, a posição defendida pela DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor).

Uma terceira interpretação é que a taxa mínima a aplicar ao empréstimo deve ser o spread que foi negociado entre as partes. Como é fácil compreender, este é o entendimento (pretensão) já manifestado por alguns bancos. Alguns terão mesmo incluído recentemente nos seus preçários a indicação de que o valor mínimo que consideram para o indexante é 0%, ou seja, no mínimo, aplicam como taxa de juro o valor do spread. Mais: ao que consta, pretendem aplicar esta regra não apenas para novos contratos, mas também para contratos antigos, onde não constava essa cláusula, o que parece abusivo.

Neste momento aguarda-se por uma clarificação do Banco de Portugal (ou mesmo de uma entidade supranacional, uma vez que esta situação não é exclusiva do nosso país) sobre o que fazer no caso de este cenário se colocar. A verdade é que não existe nada (entenda-se, disposição legal) que impeça a aplicação de taxas de juro negativas no cálculo das prestações subjacentes a uma operação de crédito, ao contrário do que sucede com os depósitos.

Como nota final e por estar de algum modo relacionado com o tema deste artigo, gostaria de referir que estas taxas tão baixas não podem manter-se por muito tempo. Ora, um empréstimo para compra de casa é, na esmagadora maioria dos casos, um compromisso para a vida. Importa que quem agora decide contrair um empréstimo destes tenha a consciência que as suas prestações mensais acabarão por subir, mais cedo ou mais tarde, podendo acontecer que seja de forma (muito) significativa. Ainda há meia dúzia de anos as Euribor andavam na casa dos 5%. Como serão dentro de 5 ou 10 anos? Certamente (diria mesmo desejavelmente) não tão baixas como estão agora…