sábado, 12 de julho de 2014

Engenharia financeira

O conceito de engenharia financeira encontra-se associado ao processo de utilização combinada, desagregada e/ou inovadora de instrumentos financeiros existentes, de modo a criar novos produtos melhor adaptados às necessidades e expectativas dos utilizadores, dos financiadores ou de ambas as partes. Todavia, na ótica do senso comum, o conceito de engenharia financeira acaba por estar inevitavelmente ligado a “esquemas”, a “artimanhas”, que os responsáveis financeiros implementam de modo a dar um aspeto “mais bonito” às contas ou de forma a obter lucros mais avultados. À “boa maneira portuguesa”, o Estado português (e não estou a falar apenas do atual governo, mas também de governos anteriores) têm usado (e “abusado”) no recurso à engenharia financeira no sentido que normalmente o senso comum lhe dá. Vejamos alguns exemplos.
Como é sabido, o Pacto de Estabilidade e Crescimento baseia-se no pressuposto essencial que os países da Zona Euro devem manter a sustentabilidade das suas finanças públicas. Contudo, no caso português, em vez da verdadeira preocupação ser efetivamente manter a sustentabilidade das nossas finanças públicas, o objetivo fundamental tem sido apenas a preocupação com os números (“viver de aparências”). Apenas neste contexto se percebem diversas medidas que foram tomadas ao longo dos últimos anos que representam situações importantes que têm efeitos semelhantes ao aumento da dívida pública (na medida em que vão fazer aumentar as responsabilidades futuras do Estado português) mas que não são consideradas como dívida (em termos de números). De entre essas medidas poderei destacar: a transferência de fundos de pensões detidos por instituição privadas que estavam fora das administrações públicas para a administração pública (caso do fundo de pensões da Caixa Geral de Depósitos, em 2004; da Portugal Telecom, em 2010; da banca, em 2011); as parcerias público-privadas, através das quais o Estado português consegue obter empréstimos para financiar obras públicas (por exemplo, autoestradas), obrigando-se depois o Estado a fazer, durante um largo período de tempo após a conclusão da obra, pagamentos mensais aos consórcios privados com os quais as parcerias foram realizadas; a transformação de organismos das administrações públicas em empresas públicas, de modo a que as dívidas contraídas por essas empresas não sejam contabilizadas como dívida pública pelas instituições europeias que nos supervisionam e, deste modo, não façam agravar o défice do Estado (um bom exemplo desta situação são os hospitais EPE).
Além disso, os sucessivos governos do nosso país têm andado muito mais preocupados com o curto prazo e em ganhar eleições, do que propriamente com a sustentabilidade das nossas finanças públicas. Não admira, pois, que em vésperas de eleições, abundem medidas orçamentais expansionistas (com aumentos da despesa pública, redução de impostos) que têm um efeito positivo no emprego e no crescimento mas fazem agravar o défice do Estado e, inversamente, após ganhas as eleições, abundem medidas orçamentais restritivas (com reduções da despesa pública, subidas de impostos) que têm um efeito recessivo no PIB e fazem aumentar o desemprego mas melhoram as finanças públicas.

Ao longo dos anos temos adotado um modelo de gestão orçamental em Portugal baseado no défice permanente, na dívida pública “explosiva” (já vamos em 130% do PIB e não deveremos parar por aqui!), nas privatizações e nas receitas extraordinárias que fazem reduzir artificialmente o défice e a dívida pública no curto prazo. Não é de admirar que desde o 25 de abril de 1974 Portugal nunca tenha tido um excedente orçamental; tivemos sempre défice! E o défice necessita de ser financiado, normalmente através da emissão de dívida pública, cujos encargos fazem aumentar ainda mais o défice, criando-se aqui uma espiral “défice-dívida-défice” que parece não ter fim…

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