O endividamento das famílias é um problema cada vez mais actual na sociedade portuguesa. Basta olhar para alguns indicadores do endividamento dos particulares, para constatarmos que se registou nos últimos anos um aumento significativo do endividamento das famílias, originando muito frequentemente situações de sobre endividamento.
Existem diversos factores que poderão explicar esta situação: o espírito consumista que cada vez mais caracteriza a sociedade portuguesa, uma certa falta de hábitos de poupança, o aumento significativo da oferta de crédito por parte das instituições financeiras nos últimos anos e a falta daquilo que poderemos apelidar de “literacia financeira”.
Relativamente ao primeiro aspecto, a nossa sociedade (e, porventura, não será apenas a sociedade portuguesa) encontra-se cada vez mais dominada por um espírito consumista. Todos nós gostaríamos de viver numa boa casa, ter um bom automóvel (ou até, no caso dos casais, ter um automóvel para cada cônjuge), computador, os melhores móveis, os melhores electrodomésticos, telemóvel, etc.. Não digo que estas aspirações não sejam legítimas, desde que não pequem por excesso. Se cairmos num espírito consumista desenfreado, querendo “ter sempre mais e melhor que o nosso vizinho”, vivendo num mundo de falsas aparências e muito acima das nossas possibilidades, aí sim poderemos vir a ter verdadeiros problemas.
No que diz respeito ao segundo aspecto, a situação começa a melhorar, se bem que muito lentamente, havendo ainda muito a fazer. De facto, se nos anos 70 as famílias portuguesas conseguiram atingir uma taxa de poupança superior a 30% do seu rendimento disponível, a partir da década de 80 e, sobretudo, a partir da década de 90, a taxa de poupança das famílias portuguesas diminuiu drasticamente. Felizmente que, nos últimos anos (nomeadamente a partir de 2008 e 2009), também devido ao cenário recente de crise económico-financeira, a taxa de poupança das famílias portuguesas retomou o seu trajecto ascendente, se bem que com valores ainda muito distantes dos registados nos anos 70.
No que concerne ao aspecto da oferta de crédito, todos os dias somos autenticamente “bombardeados”, através dos meios de comunicação social (televisão, rádio, jornais, revistas, internet, panfletos outdoors, …) com ofertas de crédito ao consumo que apelam ao crédito fácil, com (supostas) condições de reembolso acessíveis (“à medida de cada um”), num processo simples (sem burocracia, sem “porquês”, …) e rápido (“no dia seguinte ao da assinatura do contrato terá o dinheiro disponível na sua conta”). Pois bem, tudo isto é tentador (sobretudo se vivermos no tal “mundo de aparências”). A questão é que o endividamento em si mesmo não é a fonte dos nossos problemas, desde que seja utilizado com “conta, peso e medida”. O problema do endividamento apenas ganha contornos mais graves quando as famílias se vêem impossibilitadas de fazer face aos encargos dos créditos contraídos, gerando situações de sobre endividamento. Muitos casos existem em que as pessoas acumulam créditos, incorrendo em três, quatro, cinco ou mais créditos simultaneamente (crédito à habitação, crédito automóvel, crédito férias, crédito para aquisição de electrodomésticos, etc.), por vezes incorrendo em novos créditos para pagar juros de créditos anteriormente contraídos, entrando numa verdadeira “espiral de endividamento”. Também, não bastas vezes, as pessoas desrespeitam a taxa de esforço recomendada, pagando encargos com créditos que ultrapassam largamente 40% do seu rendimento mensal. E note-se que o caminho para se chegar a uma situação de sobre endividamento não é tão difícil de percorrer. Por vezes, basta a ocorrência de uma situação inesperada de desemprego, divórcio, acidente, doença, …, para começarmos a sentir não só as consequências monetárias do sobre endividamento, mas também os seus efeitos nefastos do ponto de vista social e psicológico.
Finalmente, mas não menos importante, o aspecto da “literacia financeira”. Se nós não soubermos o que significam os conceitos e termos financeiros que constantemente são utilizados no nosso dia-a-dia, se não soubermos minimamente fazer contas, muito dificilmente conseguiremos poupar, aplicar correctamente as nossas poupanças, ou contrair o crédito mais vantajoso (quando for estritamente necessário fazê-lo). Como forma de promover um esforço de auto-reflexão, deixava aqui algumas questões sobre as quais deveríamos ponderar:
- Será que sabemos verdadeiramente como poupar?
- Será que sabemos escolher a aplicação financeira que nos proporciona as melhores condições?
- Será que recolhemos informações sobre o financiamento que necessitamos junto de várias instituições financeiras e sabemos escolhe o crédito mais vantajoso?
- Será que nos preocupamos em saber todas as implicações legais no futuro dos contratos de crédito que assinamos?
- Será que nos sentimos inibidos de pedir esclarecimentos ao nosso banco em relação a questões que não compreendemos?
- Será que pura e simplesmente confiamos no nosso “amigo” que até trabalha num banco?
- Será que educamos os nossos filhos em relação à questão do dinheiro?
Pois bem, se respondemos negativamente à maior parte destas questões, importa agir o mais rápido possível. Não podemos continuar a ser “iliterados” do ponto de vista financeiro. Está em causa o nosso futuro e, quem sabe, também o futuro dos nossos filhos…
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