O
conceito de engenharia financeira encontra-se associado ao processo de
utilização combinada, desagregada e/ou inovadora de instrumentos financeiros
existentes, de modo a criar novos produtos melhor adaptados às necessidades e expectativas
dos utilizadores, dos financiadores ou de ambas as partes. Todavia, na ótica do
senso comum, o conceito de engenharia financeira acaba por estar
inevitavelmente ligado a “esquemas”, a “artimanhas”, que os responsáveis
financeiros implementam de modo a dar um aspeto “mais bonito” às contas ou de
forma a obter lucros mais avultados. À “boa maneira portuguesa”, o Estado
português (e não estou a falar apenas do atual governo, mas também de governos
anteriores) têm usado (e “abusado”) no recurso à engenharia financeira no
sentido que normalmente o senso comum lhe dá. Vejamos alguns exemplos.
Como é
sabido, o Pacto de Estabilidade e Crescimento baseia-se no pressuposto
essencial que os países da Zona Euro devem manter a sustentabilidade das suas
finanças públicas. Contudo, no caso português, em vez da verdadeira preocupação
ser efetivamente manter a sustentabilidade das nossas finanças públicas, o
objetivo fundamental tem sido apenas a preocupação com os números (“viver de
aparências”). Apenas neste contexto se percebem diversas medidas que foram
tomadas ao longo dos últimos anos que representam situações importantes que têm
efeitos semelhantes ao aumento da dívida pública (na medida em que vão fazer
aumentar as responsabilidades futuras do Estado português) mas que não são
consideradas como dívida (em termos de números). De entre essas medidas poderei
destacar: a transferência de fundos de pensões detidos por instituição privadas
que estavam fora das administrações públicas para a administração pública (caso
do fundo de pensões da Caixa Geral de Depósitos, em 2004; da Portugal Telecom,
em 2010; da banca, em 2011); as parcerias público-privadas, através das quais o
Estado português consegue obter empréstimos para financiar obras públicas (por
exemplo, autoestradas), obrigando-se depois o Estado a fazer, durante um largo
período de tempo após a conclusão da obra, pagamentos mensais aos consórcios
privados com os quais as parcerias foram realizadas; a transformação de
organismos das administrações públicas em empresas públicas, de modo a que as
dívidas contraídas por essas empresas não sejam contabilizadas como dívida
pública pelas instituições europeias que nos supervisionam e, deste modo, não
façam agravar o défice do Estado (um bom exemplo desta situação são os
hospitais EPE).
Além
disso, os sucessivos governos do nosso país têm andado muito mais preocupados
com o curto prazo e em ganhar eleições, do que propriamente com a
sustentabilidade das nossas finanças públicas. Não admira, pois, que em
vésperas de eleições, abundem medidas orçamentais expansionistas (com aumentos
da despesa pública, redução de impostos) que têm um efeito positivo no emprego
e no crescimento mas fazem agravar o défice do Estado e, inversamente, após
ganhas as eleições, abundem medidas orçamentais restritivas (com reduções da
despesa pública, subidas de impostos) que têm um efeito recessivo no PIB e
fazem aumentar o desemprego mas melhoram as finanças públicas.
Ao longo
dos anos temos adotado um modelo de gestão orçamental em Portugal baseado no
défice permanente, na dívida pública “explosiva” (já vamos em 130% do PIB e não
deveremos parar por aqui!), nas privatizações e nas receitas extraordinárias
que fazem reduzir artificialmente o défice e a dívida pública no curto prazo.
Não é de admirar que desde o 25 de abril de 1974 Portugal nunca tenha
tido um excedente orçamental; tivemos sempre défice! E o défice necessita de
ser financiado, normalmente através da emissão de dívida pública, cujos
encargos fazem aumentar ainda mais o défice, criando-se aqui uma espiral
“défice-dívida-défice” que parece não ter fim…